O manifesto

NÃO.

Deixei de dizer muitas coisas, durante muito tempo, inclusive nos dias de sol.
Mas agora chega!
Estou de saco cheio dos políticos, dos padres e das multinacionais!
E atenção! Estou disposta a lutar contra todos aqueles que tentarem pôr as mãos em mim - guardadas as devidas porporções, é lógico. Quero ser livre num mundo livre, caramba!

Senhores:

Descobri que meu pescoço também pode - sozinho - dobrar-se para trás e meus olhos, portanto, voltarem-se diretamente para o céu. Não me venham mais dizer o que devo e o que não devo fazer, ou até onde devo chegar, nem que alimentos terrestres devem ser cozidos previamente para que não provoquem pesadelos.
Minha boca aprendeu a dizer palavras como AMOR e LIBERDADE, além de belas canções.
Não, meus supermestres: acabou-se a repetição.

Estou viva.
A vida palpita em minhas veias como as batidas de um pandeiro. Por isso mesmo, não tenho vontade de continuar me alimentando com um conta-gotas.
Estou viva. E, quando meus dedos não sentirem mais o contato do ar, quando meus lábios não mais puderem beijar outras carnes, eu me arrependerei de ter dormido demais, de ter acreditado naqueles que me juravam que viver (no caso, viver descaradamente) consistia em nada mais nada menos que permanecer tranquilo, sem fazer barulho. Ficar quieto não é ser perfeito, mas estar petrificado.

É preciso pôr fogo neste mundo cão! Um mundo onde morrer é tão comum quanto matar, onde os justos são escarrados, os pobres, urinados e os puros têm seus olhos arrancados por quase nada. Um mundo onde ter amigos é quase uma provocação, onde há uma igreja que chama de religião uma brincadeira de esconde-esconde com Deus todo-poderoso e que tranca Maria Santíssima num convento. Esta é, de fato, uma moral que só serve para os dias de inverno...

Não. Fogo! Que a fogueira fique bem alta! Que as chamas bailem! E que não se apaguem! Que alegria! Dentro de pouco tempo, algo muito importante vai acontecer aqui! Ou você acham que este é o mundo que Deus criou para nós e para nossos filhos?

As chamas já vêm vindo: por aqui! Por aqui! Vermelhas e azuis, avançando vorazes pelos bosques de espantalhos, que nós sustentávamos com nosso mutismo. O frio já confessa que, efetivamente, mentia. O sol se põe a gritar e derrete a neve: os terríveis dragões estão a um passo de converter-se em princesas.

Fora daqui com as velhas alianças e os velhos tratados! Chegou a hora de pôr a mão na consciência verificar se já não está na época de virar a mesa, de colher o fruto maduro... só os que deram flores têm direito de atravessar a fronteira.

Quem ousa mostrar novas direções? Quem está ansioso por saber o que há mias além? Que ninguém pense que já chegou ao fim da linha. É de fato uma estupidez dizer: "Eu sou filho de Abraão", "Eu sou mais católico que o Papa", "Eu sou de esquerda e não abro"...

NÃO!! NÃO!! E NÃO!!

Fazer uma revolução não é pendurar etiquetas no pescoço. Deus pode tornar santas até mesmo as mulatas do Sargentelli.

Mudem! Façam suas cabeças! Inventem! Só as mentes criativas se assemelham a Deus. O futuro nunca poderá estar à sua frente se você se coloca sempre atrás. E, se alguma vez você pensou que era o dono da verdade, é só dar uma olhada agora, neste momento, em suas mãos. Mas olhe honestamente: estão vazias! Os paradigmas e as fortes malhas de segurança eram tão-somente teias de aranha entre os dedos e a vida saiu voando por eles como uma pomba que voa para o alto.

Vamos para frente, homens e anjos em geral! Quem não se arrisca a assumir o próprio erro, jamais saberá até que ponto a sua verdade é realmente verdade. Deus nos deu asas: não vamos nos empenhar em ficar sentados num banco (mesmo que seja um banco de igreja!)! Vamos tirar um pouco das nossas proteções, filhos de homem... com tantos agasalhos, vai ser difícil nadar. Fiquem apenas com o estritamente necessário: o coração, o cérebro, as mãos e os olhos.

Então, uma vez despidos do supérfulo, aqueles que quiserem se renovar, que se atirem na água. Ninguém sabe o que há na outra margem... porém, enquanto pudermos atrasar a chegada à fronteira, teremos sempre razões para crer que essa fronteira foi colocada por nós mesmos. E nunca por Deus.