Capítulo 2

Aquela semana foi ótima, vivi impulsionada por toda aquela adrenalina e ansiedade de como seria o próximo ano, e essa coisa toda ainda era temperada com muitos ‘parabéns’ vindos de todos os lados (o vovô fez questão de contar à cidade inteira que eu tinha passado no vestibular, e que ia para São Paulo), confesso que o gostinho foi realmente muito bom.

O único que não ficou muito feliz com tudo isso foi o Tales, meu namorado. E eu entendia um pouco do que ele estava sentindo, fazia muito tempo que estávamos juntos, foram nossos anos de colegial (ele sempre me ajudou com matemática e física: eu era péssima). Eu gostava muito dele já naquela época, e entrei num super dilema antes de decidir fazer a prova: se eu passasse, teria que me mudar, e isso ia acabar afetando nosso namoro. E todo mundo sabe que é muito difícil namorar à distância. Mas, enfim... decidi que iria fazer porque precisava lutar pelos meus sonhos, e ele poderia vir comigo se ele quisesse!

Mas acho que as coisas não eram tão fáceis assim... É lógico que os pais dele não deixariam ele morar tão longe de casa sozinho, e outra: ele estava trabalhando com o pai dele no negócio que eles tinham (uma produção de hortaliças, muito legal).

Combinamos de dar uma volta no parque e tomar um sorvete, geralmente nós 'cozinhávamos' de tanto calor que fazia naquela cidade quando chegava dezembro. Parecia que tinha alguém constantemente baforando na nossa cara (ele sempre morria de nojo quando eu falava isso, mas era a descrição que mais se aproximava, na minha opinião!).

- Então você vai mesmo, Sa... Vou sentir tanto sua falta...
- Ah, amor! Eu volto todo final de semana com meu pai para visitar o vô e a vó, então não vai mudar muita coisa! A gente só tem se visto de final de semana mesmo...
- Mas Sa, você sabe que muita coisa vai mudar. Você vai conhecer um monte de gente nova, pessoas interessantes, inteligentes, que se interessam pelas mesmas coisas que você... Vai sair de noite, dançar, conhecer lugares novos... e isso tudo você vai fazer longe de mim!
- Ué, então por que o “senhorito” não vai pra lá aos finais de semana? Daí podemos fazer tudo isso juntos!
- Sa... Acho que já conversamos sobre isso. Você tinha uma escolha a fazer: ou eu, ou você. Vendo pelo lado racional... (detalhe: eu odiava quando ele começava com esse negócio de “vendo pelo lado racional”, geralmente era a partir daí que eu começava a vê-lo turvo e ouvir só “bla, bla, bla”)... você fez a escolha certa. Quem iria recusar uma vaga numa universidade federal para ficar perto do namorado caipira?
- Tales! Pode parar de fazer manha!
- Tá bom, Sa... então vamos fazer o seguinte: enquanto você ainda estiver aqui, vamos aproveitar para ficar juntos. Depois... bom, depois a gente vê o que acontece.
- Amor, vai dar tudo certo. Vamos ser felizes e teremos nossos sete filhos, tudo conforme planejávamos. Certo?

Dei um tapinha nele, só pra ver se quebrava um pouco do gelo, mas parece que o negócio era mais sério do que eu pensava... Sempre quando eu dava um tapinha nele, começávamos nossa simulação de briga para dar umas risadas. Só que neste dia ele não estava muito a fim de brincar comigo...

Ele me pediu um abraço. E um tempo indeterminado passou...

Realmente as pessoas estão certas quando dizem que grandes vitórias requerem grandes perdas, e essa foi a primeira de tantas outras coisas das quais tive que abrir mão para poder realizar um sonho.

**

O resto do mês passou voando. Tive um monte de coisas para fazer, arrumar mudança não é tarefa fácil não... Fiquei imaginando como deve ser mudar tudo para uma casa nova, o cansaço deve ganhar de dez a zero da alegria que se sente de mudar! Mas como no meu caso era só levar minhas roupas e minhas tralhas, o cansaço ainda estava empatado com a adversária.

O mais legal (ou não!) da mudança foi colocar meus livros nas caixas que o papai tinha trazido para eu empacotar minhas coisas. Sempre que ganho um livro de alguém – meus amigos já sabem que é o que eu mais gosto de ganhar – peço para a pessoa escrever uma dedicatória. Tenho um monte deles, e todos com dedicatória (agora, você deve estar pensando... “se ela gosta tanto de livros, deve comprar alguns de vez em quando, e esses ficam sem dedicatória”, pois saiba que não: eu escrevo dedicatórias para mim mesma! Hehe..). Cada palavra ali era uma lembrança, uma pessoa que tinha passado pela minha vida... Do meu pai, um monte do Tales, de amigas que já nem se lembravam mais que eu existo, da vovó, do vovô (escritas pela vovó, é claro, porque ele é deficiente visual)...

Fiquei uma tarde inteira achando mil coisas no meu guarda-roupa, cartas e enfeites, cada coisa me trazia a lembrança um momento, e foi meio estranho tudo isso. Eu parecia estar me despedindo de uma vida, de um lugar tão meu e tão seguro... O que seria de mim longe de todo aquele ninho de amor? Longe dos meus avós e do meu namorado?

Pela primeira vez desde quando tinha visto meu nome impresso naquela folha de jornal, a alegria deu lugar ao medo. Senti uma fisgada no alto do estômago, era medo mesmo, eu só não sabia de quê.

***

Comentários

  1. Medo do novo!!!! rsrsrsr Também adorei o q eu escrevi pra vc no e-mail, já nem lembro muito, vc me envia o q eu te escrevi?! A não ser é claro q vc tenha deletado...rsrsrs....Saudades......Beijos Kika

    ResponderExcluir
  2. Medo do novo!!!! rsrsrsr Também adorei o q eu escrevi pra vc no e-mail, já nem lembro muito, vc me envia o q eu te escrevi?! A não ser é claro q vc tenha deletado...rsrsrs....Saudades......Beijos Kika

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