"e um certo casal à beira do lago" - 1

Segunda-feira maluca no trabalho, zilhões de coisas acontecendo: chefe de férias, equipe desfalcada (um doente, o outro decidiu doar sangue), todos os clientes decidem questionar ao mesmo tempo o andamento de seu respectivo processo e as horas passando em pingos.
Credo, preciso dar uma parada - pensou alto. Espreguiçou-se com graça como de costume, sem importar-se com o olhar de canto do diretor estrangeiro que insiste em não compreender essas "coisas de brasileiros". Olhou pelas caras e espelhadas janelas a ponte e a vida que acontecia lá fora, sentiu uma pontada de tristeza ao perceber-se trancada nesta recente rotina de escritório. Foi escolha minha, não foi? Pois bem, algumas renúncias.

Rendendo-se ao vício contemporâneo, digitou "f-a-c-e-enter" e logo surgiu na tela aquele monte de baboseira que a gente vê nessas redes sociais. Mundinho cheio: sete comentários e uma foto marcada, notou. Foto de muito tempo atrás, de pessoas queridas e de uma um pouco mais, em especial. Deu uma desconcentrada e uma parcela do mau humor descolou-se. Leu os comentários nostálgicos: "beleza de tempo que não volta mais!", "sinto saudades de todos", "podemos marcar alguma coisa"... Previsíveis. Injusto demais querer reviver bons momentos do passado, não é inteligente estragar as nossas lembranças. Correu os olhos novamente pelos comentários e deteve-se em um que puxou o tapete e a derrubou com tudo no chão:

 "e um certo casal à beira do lago"

Sentiu sua mente resgatando aquela imagem antiga, guardada lá no fundo, e dando cor àquele cenário lindo onde tudo começou. Fechou os olhos por uns instantes, sentiu aquela brisa, aquele abraço tão seu, ouviu de novo as risadas do pessoal ao longe. Lembrou da calça cortada azul marinho, da camiseta preta, da bermuda e da boina. Pode experimentar aquela simplicidade toda, aquela natureza rara e os todos e tantos sonhos que guardava no coração. Não conseguiu disfarçar, e sorriu! Sorriu, sorriu... Suspirou, claro. Sentiu muita saudade.

Telefone toca. Chefe acordou do sono de beleza e quer saber do andamento dos casos - também.

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A segunda passou tendo bem cumprida toda sua rotina: finalizar as pendências no trabalho, trânsito na volta para casa, namorado no telefone antes da faculdade, uma caminhada na academia do prédio, jantinha (leve, pois segunda é dia de regime), banho, cama.

Esse raro momento de liberdade fugiu para perto dele de novo: aquela bendita frase acendeu na memória uma saudade imensa daquele menino. Primeiro namorado, primeiro beijo... Sempre foi nostálgica demais essa menina, e vocês ainda fazem uma coisa dessas?

Começou a pensar por onde ele estaria andando hoje, se confiara seu coração a outra pessoa, se dava seus apaixonados beijos em outras bocas. Era isso que mais lhe faltava: ele sempre foi pura paixão. Tudo, tudo que ele fazia era transbordante: a cena, o desenho, o curso, a ideia, o beijo.

Sua vida andava tão sem cor ultimamente... E ele era uma explosão de matizes. Ele tinha mais vermelho, e o singular verde penetrante daqueles olhos. Olhos lindos aqueles dele... Sempre lindo, à sua maneira, diferente e autêntico. Seguro de si, certo. Firme, sempre sabia o que queria.

E adormeceu. E sonhou com ele, à beira daquele lago.

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